
A linguagem (aquela que se fala e escreve) nem é só discurso, sintaxe, agregado de conceitos, batalha retórica, «designação», magia, metáfora viva ou morta, etc. É-o, pois é,com suas estruturas, com estranhos restos, encantamento, conversação mais ou menos redundante, diálogo com mira no absoluto e por aí adiante.
Mas não posso deixar de pessoalizar uma teoria ingénua sobre o fluxo alegórico, sinestésico, organizante/desorganizante, e toda a precisão e vaguidão que me acodem quando digo ou escrevo. Sinto-me muitas das vezes a tentar gerir cadeias ambiguas, links vagos, e com eles contruir alguma precisão - se seguirmos «o impulso ekfrásico» (a designação é minha) caminharemos no trilho do «romance», do que é imagéticamente descritivel, dos neo-sofistas greco-romanos, passando por Flaubert até Nabokov. Objectos verbais que se constroem no sentido de que há coisas muito singulares e que elas deixam suspeitas qualquer tentativa de generalização. Se seguirmos, pelo contrário, o impulso abstraccionista teremos cada vez mais tendência em hierarquizar, demarcar, diferenciar e associar redes de palavras já «emancipadas» das imagens - mas o terreno é cada vez mais esquemático, geométrico, explicadista. Pode ser claro nas suas relações, mas há uma dificuldade em gerir palavras tão fortes, esquivas, e vagas (como por exemplo «ser»). Por isso escrevi estas notas como uma espécie de preplexidade de fundo quanto ao uso da linguagem - menos platónica e essencialista (ou conceptual) do que me propõe os filósofos, e menos designativa, descritiva ou mágica, do que gostariam os flaubertianos, os cientistas e os feiticeiros.
Passo à teoria:
Mas não posso deixar de pessoalizar uma teoria ingénua sobre o fluxo alegórico, sinestésico, organizante/desorganizante, e toda a precisão e vaguidão que me acodem quando digo ou escrevo. Sinto-me muitas das vezes a tentar gerir cadeias ambiguas, links vagos, e com eles contruir alguma precisão - se seguirmos «o impulso ekfrásico» (a designação é minha) caminharemos no trilho do «romance», do que é imagéticamente descritivel, dos neo-sofistas greco-romanos, passando por Flaubert até Nabokov. Objectos verbais que se constroem no sentido de que há coisas muito singulares e que elas deixam suspeitas qualquer tentativa de generalização. Se seguirmos, pelo contrário, o impulso abstraccionista teremos cada vez mais tendência em hierarquizar, demarcar, diferenciar e associar redes de palavras já «emancipadas» das imagens - mas o terreno é cada vez mais esquemático, geométrico, explicadista. Pode ser claro nas suas relações, mas há uma dificuldade em gerir palavras tão fortes, esquivas, e vagas (como por exemplo «ser»). Por isso escrevi estas notas como uma espécie de preplexidade de fundo quanto ao uso da linguagem - menos platónica e essencialista (ou conceptual) do que me propõe os filósofos, e menos designativa, descritiva ou mágica, do que gostariam os flaubertianos, os cientistas e os feiticeiros.
Passo à teoria:
- A linguagem é indossoluvel das memórias que nestas se vão gerindo, degenerando e deformando.
- A memória dispõe e fixa (de forma dura ou mole, consoante a «química») as impressões dos diversos sentidos, com particular predominância para o que vem do som e da imagem. A memória é feita de interfaces, tem um fundo «alegórico».
- As palavras são no seu medium uma séries de associações de registos da memória(ou possibilidades destas se recombinarem). Há certamente um filão designativo-mágico que faz equivaler palavras a objectos e a «eficácias» sobre estes. Há igualmente um filão lúdico-exploratório (falar pelo prazer (motivadamente diferente) de falar - o que não é inocente!). E também há o feed-back da linguagem como discurso sobre as memórias que seriam supostamente mais imaculadas, o que torna quer as memórias quer a linguagem mestiças e ainda mais «alegóricas». Não há memórias nem discursos «puros».
- As palavras não são nem filhas de defenição, nem caminham para uma essencia que as salve, e salvando-as nos salve a todos, mas são consoante «cada qual» «mais ou menos» precisas ou imprecisas no confronto comunicácional, nos contextos em que cada palavra se torna mais precisa ou imprecisa (recordemo-nos dos debates a partir de Kuhn) - são-nos oferecidas singularidades, arrumações, posições relativas nas quais somos sensíveis ao papel organizativo da sintaxe, etc. - o utilizador pode gerir as palavras pelo seu efeito mais do que segundo uma consciencia meticulosa de cada segmento do discurso.
- O sistema neurológico (julgo, velho naif!) orienta-se organizando redes de associações algo hierarquizadas, mas que também são «mais ou menos» abertas, retractivas, sedentas de confirmação ou buscando mudanças, etc., dependendo da propensão de cada utilizador. A velhice, como é òbvio, torna estas estruturas ao mesmo tempo mais complexas e mais conservadoras.
- As palavras servem estratégias comportamentais e de sobrevivência, mas são deveras enriquecidas com as disponibilidades «imaginativas» ou poéticas que permitem associar mais, arriscar mais, inventar mais, e mudar de vez em quando as relações habituais (neuróticas) com que filtramos e domesticamos as impressões (informação, sensações, afectos).